Estação Antártica Comandante Ferraz

Por Estudio 41
9 minutos

Projetar e construir para o Brasil na Antártica (texto fornecido pelos autores)

Em certos lugares do planeta a natureza por vezes cria condições adversas para o corpo humano. Nestes locais, pensar um edifício é quase como construir uma vestimenta, um artefato que protege e conforta. Trata-se de um problema de desempenho tecnológico, mas que deve estar aliado à estética. Fazer o ser humano sentir-se bem é mais que trabalhar as noções de conforto e segurança, é também trabalhar os espaços nas suas dimensões simbólicas e perceptivas.

Fotografia: Leonardo Finotti

Um abrigo, um lugar seguro. A nova casa do Brasil na Antártica. Um lugar de proteção e reunião das pessoas para a produção do conhecimento científico.

Assim é encarada a tarefa de projetar a nova Estação Antártica Comandante Ferraz.

Fotografias: Eron Costin

O vazio deixado pelo incêndio ocorrido em 2012 carrega de simbolismo a importância dessa nova construção; ela representa a presença brasileira na Antártica como possibilidade de contribuição científica em conjunto com a comunidade internacional. Representa também uma oportunidade de desenvolvimento tecnológico para a arquitetura brasileira e para a indústria nacional.

Fotografias: Leonardo Finotti (sem neve) e Eron Costin (com neve)

De outro lado, o processo de projeto nos leva a entender aos poucos a fragilidade da vida humana e como se deve agir para resolver problemas construtivos, funcionais e sensoriais. Nesse sentido, as decisões são tomadas de modo cuidadoso, pois é preciso respeitar a natureza e entender que há desafios a serem superados antes de se chegar ao edifício construído.

Fotografias: Eron Costin

A presente proposta para a Estação Ferraz parte da interpretação do território e das condições geográficas da região. Sendo assim, a implantação dos edifícios propostos leva em consideração a topografia da Península Keller e as necessidades de preservação das áreas de vida animal e vegetal do entorno, entre outros fatores. Diversas condições previstas pelo Zoneamento Ambiental de Uso são respeitadas de modo a minimizar os impactos na natureza.

Situação e Implantação

Os setores funcionais estão organizados em blocos que distribuem os usos. O bloco superior, no nível +9,10, abriga os camarotes, áreas de serviço e o jantar/estar. Ao bloco inferior, no nível +5,95, foram incorporados os laboratórios e as áreas de operação e manutenção. Este mesmo bloco abriga as garagens e o paiol central, localizados no nível +2,50.

Planta Bloco Superior +9,10

Planta Bloco Inferior +5,95

Um bloco transversal, também no nível +5,95, reúne os usos social e de convívio. Neste trecho estão posicionados a sala de vídeo/auditório, a lan house, a sala de reuniões/videoconferência, a biblioteca, e o estar.

Fotografias: Leonardo Finotti

Elevações

Cortes

A implantação é completada com as plantas de painéis fotovoltaicos, ao norte, e de turbinas eólicas VAWT a sudoeste.

Fotografia: Leonardo Finotti (sem neve) e Eron Costin (com neve)


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Emerson Vidigal (E.V.)

MDC – Como vocês contextualizam essa obra no conjunto de toda a sua produção?

E.V. – Provavelmente é a obra mais relevante dos meus primeiros 20 anos de formação. O contexto geográfico singular e a importância estratégica para a pesquisa científica no país são aspectos inegáveis. Poucos trabalhos de projeto nos colocam diante de desafios como esse, em termos de pesquisa, e de intensidade no trabalho.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

E.V. – Foi um concurso internacional de arquitetura ocorrido em 2013, organizado pelo IAB-RJ, e promovido pela Marinha do Brasil.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Vocês destacariam algum momento significativo do processo?

E.V. – Talvez tenha sido, entre as nossas participações em concurso de arquitetura, a definição de implantação e volumetria geral mais rápida. Em poucas reuniões, depois de algumas semanas de pesquisa e a definição do corte transversal – compreendido através da pesquisa – chegamos nesse partido. A questão é que, a partir disso, havia bastante trabalho com as engenharias e reuniões com os consultores, antes de conseguir finalizar um produto mais consistente para a entrega do concurso. Eu diria que o entendimento das condições geográficas e a questão da logística de montagem nos ajudaram a traçar desde a estratégia de implantação até os sistemas de envoltória possíveis naquelas condições. Com isso mais claro, pudemos trabalhar detalhando um pouco a proposta, num nível suficiente para a competição. Depois foi o trabalho do júri.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, podem comentar as mais importantes?

E.V. – Sim. No ano de 2013, foram seis meses intensos para chegarmos às primeiras versões do Projeto Executivo. Entre 2014 e 2016, ocorreram as etapas de licitação da obra para a escolha da empresa construtora. Durante todo esse processo a interlocução constante e o profissionalismo da equipe de engenharia (AFAconsult) foram fundamentais para dar conta de um trabalho dessa magnitude em um curto espaço de tempo.

A solução de fundações, por exemplo, complexa num terreno em que o solo sofre congelamento, passou de fundação direta (hipótese do concurso) para fundação com microestacas (ideal para a equipe de engenharia). No final, acabou sendo escolhida a hipótese de fundação direta prevista inicialmente, mas com detalhamentos bem distintos do desenho inicial.

Outro aspecto importante foi o diálogo com as equipes de cientistas que utilizam o edifício nos verões antárticos. Com a ajuda deles conseguimos detalhar muito mais o programa de necessidades. Isso teve impacto no desenho da ala de laboratórios.

No geral, as estratégias iniciais elaboradas na etapa do concurso resistiram bem às novas informações incorporadas ao longo do Projeto Executivo.

MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra? Se sim, quais os momentos decisivos dessa participação?

E.V. – Na etapa de fabricação, em Shanghai, na China, nossa participação ocorreu somente como observadores. Nosso contrato previa que o escopo do Estúdio 41 se encerraria quando da escolha da empresa construtora. Após isso, a Marinha do Brasil assumiria a fiscalização e acompanhamento da obra. O pessoal da AFAconsult acabou sendo contratado para acompanhar os trabalhos na China, mas a legislação brasileira criou alguns empecilhos para que pudéssemos ser contratados também. Na China, alguns sistemas de revestimento e acabamentos internos foram substituídos. Mas, no geral, o detalhamento de fabricação da CEIEC (empresa construtora) seguiu bem as orientações do Projeto Executivo de Arquitetura.

MDC – Vocês destacariam algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

E.V. – Visitamos a Estação Ferraz em novembro de 2019, quando 90% da obra estavam concluídos. Dois meses depois foi a inauguração. No entanto, já em novembro as equipes de cientistas começavam a chegar para ocupar os novos laboratórios. Isso foi importante: perceber que a ciência brasileira começava a tomar conta dos espaços.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, fariam algo diferente?

E.V.– Sim. Certamente. Acredito que os espaços internos poderiam ter um tratamento menos pragmático. Com a correria toda para entregar o Projeto Executivo em cinco meses, muita coisa ficou aquém do desejado. Hoje solicitaríamos mais tempo para desenvolver essa espacialidade e os mobiliários internos.

MDC – Como vocês contextualizam essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

E.V. – Acho que é um projeto que representa bem a necessidade da construção de bons espaços para a ciência brasileira. Nossas instituições aqui não têm tantos espaços de qualidade, pensados especificamente para a produção científica. Por outro lado, vivemos num país tropical, aqui no Brasil não faz tanto frio, a não ser em poucas regiões mais ao sul. Nesse sentido, o projeto funciona como um experimento que permite o aprendizado de novas tecnologias, de novas formas de imaginar o espaço, diferentes do que sempre vemos na arquitetura brasileira contemporânea, aquela que vemos publicada e que se torna referência para os arquitetos mais jovens, feita para os climas tropicais. Esse projeto, de certa forma, abre novos horizontes para a produção nacional.

MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostariam de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?

E.V. – Estamos curiosos para saber como o projeto estará daqui a 20 anos, por exemplo, o quanto ele será resiliente às transformações tecnológicas e como as pessoas vão se sentir usando no futuro. Acho importante, como arquiteto, entender essa pós-ocupação no longo prazo, até para podermos aprender com os erros que ficam claros na passagem do tempo.


projeto executivo


PARTE 1:
ARQUITETURA, DETALHES DE CIRCULAÇÃO
VERTICAL E ESQUADRIAS

31 pranchas (pdf).
32,47mb


PARTE 2:
EQUIPAMENTO COZINHA E MOBILIÁRIO

42 pranchas (pdf).
3,30mb


PARTE 3:
CAMAROTES, ÁREAS LABORATORIAIS E UNIDADES ISOLADAS

83 pranchas (pdf).
49,84mb


PARTE 4:
DETALHES DE FORROS, PAREDES, CORREDOR TÉCNICO
ENVOLTÓRIA, COMUNICAÇÃO VISAUAL
E IMPERMEABILIZAÇÃO

62 pranchas (pdf).
63,41mb


PARTE 5:
DETALHE ÁREAS GERAIS, TÉCNICAS E DE SERVIÇOS

60 pranchas (pdf).
66,31mb


localização e ficha técnica do projeto

Local: Ilha do Rei George, Península de Keller
Ano de projeto: 2013
Período de obra: 2016 a 2020
Arquitetura: Dario Durce, Emerson Vidigal, Eron Costin, Fabio Faria, João Gabriel Rosa
Colaboradores: Martin Goic, Moacir Zancopé Jr., Fernando Moleta, Felipe Santos, Alexandre Kenji, Rafael Fischer


Projetos Complementares: AFA CONSULT
Construtora: CEIEC- China
Estrutura:
Rui Furtado, Filipe Arteiro
Geotecnia:
Rui Furtado, Filipe Arteiro, Filipe Afonso
Instalações Elétricas e Telecomunicações:
Raul Serafim, Luis Oliveira
Instalações hidrossanitárias: Paulo Silva, Alexandra Vicente
Sistemas Mecânicos: Marco Carvalho, Isabel Sarmento, Tiago Teixeira
Segurança contra Incêndio: Maria da Luz Santiago
Resíduos Sólidos: João Oliveira
Projeto de Acústica: Octávio Inácio
Consultores: Envoltória: Stephan Heinlein; Geotecnia: Pedro Huergo, Eng. Josiele Patias; Instalações, Conforto e Energia: Eng. Eduardo Ribeiro; Segurança e Prevenção Contra Incêndio: Arq. Carlos Garmatter; Estruturas: Eng. Ricardo Dias; Conforto e Energia: (PETINELLI)


Fotos:  Eron Costin e Leonardo Finotti
Contato: estudio@estudio41.com.br


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

DURCE, Dario. VIDIGAL, Emerson. COSTIN, Eron. FARIA, Fabio. ROSA, João Gabriel. “Estação Antártica Comandante Ferraz”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., out-2023. Disponível em http://www.mdc.arq.br/2023/11/26/estaçao-antartica-comandante-ferraz. Acesso em: [incluir data do acesso].


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