Casa Saracura

Por [entre escalas]
8 minutos

Casa Saracura (texto fornecido pelos autores)

A Casa Saracura faz parte de um conjunto de sobrados geminados construídos na década de 1940 no bairro do Bexiga, São Paulo. Em resistência à atual especulação imobiliária no bairro, a renovação do sobrado busca preservar a memória deste bairro tradicional mantendo a fachada original e a configuração do pátio existente.

Fotografia: Pedro Kok

Como partido de projeto, a estrutura original da casa é revelada, assim como o muro de arrimo histórico, típico da topografia existente do Bexiga que aparece como elemento visível a partir de diversos ambientes da casa. Manter a relação visual com o muro de arrimo existente é uma das premissas do projeto.

Fotografia: Pedro Kok

O córrego Saracura, normalmente invisível aos olhos, passa bem atrás do terreno deixando o muro de arrimo constantemente úmido, onde a vegetação brota espontaneamente. Diante desta singular condição, a fonte entra como o principal elemento simbólico do projeto. Um tanque e um caminho d’água foram propostos, captando as águas do Saracura, e trazendo as águas para dentro do pátio, à vista de todos.

Fotografia: Pedro Kok

O volume da casa se manteve inalterado, porém uma única abertura no assoalho do primeiro pavimento abre um vazio que busca uma maior entrada de luz natural e relações visuais entre os dois níveis da casa ao mesmo tempo que incorpora uma nova dimensão no andar inferior.

Fotografia: Pedro Kok

No pavimento superior, as alvenarias do dormitório central foram removidas configurando o escritório como um espaço aberto, entre os dormitórios, que se abre para este vazio. Assim, a bancada de trabalho do mezanino mantém relações visuais com o pátio e com o muro de arrimo ao fundo do lote, além de ter a função de proteção ao vazio.

Planta Térreo Superior + Primeiro Pavimento + Cobertura

Novas aberturas foram propostas para a maior entrada de luz e ventilação natural nos ambientes internos, desenhadas em serralheria. O reboco das paredes laterais foi removido, expondo a técnica construtiva histórica da casa de alvenaria estrutural de tijolos. A remoção do forro existente de estuque revela a estrutura de madeira, tanto no térreo superior e no primeiro pavimento, expondo a estrutura original de madeira do piso de assoalho e do telhado, além de oferecer amplitude aos ambientes internos.

Fotografia: Pedro Kok

Uma das premissas do projeto foi a recuperação de elementos originais de valor arquitetônico. A escada e guarda-corpo de madeira, cobertos de tinta em situação existente, foram restaurados, e o piso de madeira existente do pavimento superior foi recuperado. O convite da escada integra-se ao banco de concreto, mobiliário fixo das salas.

Fotografia: Pedro Kok e Marina Panzoldo Canhadas (obra)

Novos elementos de concreto armado foram propostos: a parede do lavabo, o banco e prateleira na sala, a mesa na cozinha que avança no pátio e a bancada do banho da suíte. A mesa da cozinha, assim como a nova abertura de acesso ao pátio pela sala, estabelece novas relações entre os espaços internos e externos da casa. Um jardim em toda a extensão do pátio também foi proposto, trazendo o verde para dentro da casa.

Fotografia: Pedro Kok


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Entre Escalas (E.E.)

MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?

E.E. – O projeto da Casa Saracura surgiu após a realização de outra obra em 2015 também no Bexiga, a Casa na Rua Rocha. Tratava-se também da recuperação de um sobrado geminado da década de 1940, bem perto da Casa Saracura.

Por coincidência, no mesmo ano de desenvolvimento do projeto da Casa Saracura, também estávamos realizando o projeto da Casa Apiacás, que também tratava da recuperação de um sobrado geminado em Perdizes.

Estas três obras, Casa Rua Rocha (2015-2016), Casa Apiacás (2020-2021) e Casa Saracura (2020-2022) representam de certo modo uma trilogia de intervenção em sobrados existentes, e a Casa Saracura, talvez por ser a última, consegue condensar ideias que ganharam certa liberdade a partir de questões trabalhadas e aprendidas nas outras.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

E.E. – Contratação direta, os clientes me encontraram através de publicações da Casa Rua Rocha realizada também no Bexiga em 2015-2016.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?

E.E. – Nas recuperações de sobrados geminados antigos, é sempre importante considerar quais elementos arquitetônicos devem ser preservados / recuperados. Assim como garantir uma melhor entrada de luz e ventilação natural, por conta da configuração dos lotes: estreitos e compridos. A Casa Saracura já havia passado por algumas reformas anteriores, e os caixilhos já não eram originais. O pátio também havia sido transformado, incluindo a construção de uma escada externa de acesso a um quartinho no primeiro pavimento. Dada esta situação existente, outra estratégia de projeto importante é a de estabelecer novas relações entre as áreas internas e externas da casa, fazendo com que o pátio, por exemplo, típico das casas geminadas do Bexiga, tenha relação contínua com os espaços internos. Desse modo, novas espacialidades são criadas. O momento importante foi a descoberta do córrego Saracura passando atrás do lote. Esta condição singular do terreno, fez com que a fonte se tornasse um elemento simbólico importante do projeto. Junto com o tanque e o caminho d´água ao longo do pátio, tornando visível as águas do córrego Saracura.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa do autor? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?

E.E. – Todo o processo de desenvolvimento do projeto contou com a participação ativa da autora. Foram feitas diversas reuniões entre ambas partes. O Projeto de Arquitetura já contemplava o reforço estrutural, então o projeto de estrutura seguiu a Arquitetura, com devido dimensionamento do reforço estrutural metálico. O que mudamos na obra foi a construção de novas lajes de concreto aparente moldadas in loco na lavanderia e no banho principal, pois a laje existente na lavanderia estava abaixo do nível do piso superior e deteriorada pela umidade. E a cobertura do banho superior (o que anteriormente era um pequeno dormitório de serviços), também estava deteriorada, então ao invés de realizarmos novo vigamento de madeira, fizemos também laje de concreto aparente, marcando e destacando a intervenção neste trecho da casa.

MDC – O autor do projeto teve participação no processo de construção/implementação da obra? Se sim, quais os momentos decisivos dessa participação?

E.E. – Sim, ao longo de todo o processo da obra foram realizadas duas visitas semanais. Todas as definições e eventuais alterações de projeto foram validas in loco com a participação de todos os envolvidos, inclusive os clientes. O que ajudou muito na dinâmica e ritmo da obra. Foi uma obra realizada com horário restrito durante a pandemia, o que somou mais um desafio para todos.

MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

E.E. – Sem dúvida, a relação com o pátio. Como comentado anteriormente, a relação entre os espaços internos e externos da casa se fez de forma contínua, propondo novas espacialidades e materialidades. Além de fazer com que o muro de arrimo existente, típico pela topografia do bairro, ganhasse presença e visibilidade a partir de diversos ambientes da casa. E também a relação com o córrego Saracura, pois numa cidade onde a maioria dos córregos são canalizados, a fonte e o caminho d´água propostos não são apenas elementos poéticos, mas tratam também da memória do bairro, da cidade.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?

E.E. – Acreditamos que cada projeto apresenta questões específicas, embora seja possível prever estratégias de projeto neste tipo de situação existente.  E também com o passar do tempo, experiências vividas e pesquisas realizadas vão somando às novas propostas e novas ideias.

MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

E.E. – É uma obra de pequena escala, de uso residencial, mas que faz parte de uma demanda bem comum de trabalho da minha geração.

MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostaria de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?

E.E. – A Casa Saracura foi selecionada para participar do 9º Prêmio de Arquitetura Akzonobel em 2023 ao lado de outros 9 projetos, para minha grande surpresa. Projetos de pequena escala raramente são contemplados em premiações / exposições de Arquitetura, e esta participação, sem dúvida, fez com que o projeto ganhasse importância no panorama nacional da produção contemporânea. Além da participação da exposição, algumas atividades foram realizadas, como a própria visita à casa com público externo e a publicação do projeto no catálogo desta edição do prêmio.


projeto executivo


SÉRIE 100:
DESENHOS GERAIS

16 formatos (pdf).
5,38mb


SÉRIE 200:
PISO, FORRO E ELÉTRICA

9 pranchas (pdf).
3,05mb


SÉRIE 300:
AMPLIAÇÃO ÁREAS MOLHADAS

4 pranchas (pdf).
1,17mb


SÉRIE 400:
AMPLIAÇÃO CAIXILHOS

5 pranchas (pdf).
0,57mb


ficha técnica

Local: São Paulo, SP
Ano de projeto: 2020
Ano de conclusão: 2022
Período de execução: Maio 2021- Março 2022
Área do terreno: 105 m²
Área do projeto: 143 m²
Arquitetura: Marina Panzoldo Canhadas
Colaboradores: Joaquin Gak, André Nunes e Andrei Silva


Reforço Estrutural:
Eduardo Orellana
Construtor:
Eduardo Napchan


Fotos: Pedro Kok e Marina Panzoldo Canhadas (obra)


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

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CANHADAS, Marina Panzoldo. “Casa Saracura”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., mar-2024. Disponível em http://www.mdc.arq.br/2024/03/12/casa-saracura. Acesso em: [incluir data do acesso].


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